sábado, 2 de fevereiro de 2008

Meu nome é Stephen Hawking

Sob o signo de Galileu

Nasci em 8 de janeiro de 1942, extamente 300 anos depois da morte de Galileu. Calculo, entretanto, que naquele mesmo dia nasceram outras 200.000 crianças e desconheço se alguma se interessou por Astronomia. Vim ao mundo em Oxford, embora meus pais morassem em Londres. Era um bom lugar para se nascer durante a Guerra, graças ao acordo pelo qual os alemães se comprometiam a não bombardear Oxford nem Cambridge se os britânicos respeitassem Heildelberg Göttingen (essas cidades são sedes de grandes Universidades). Foi uma pena que esse tipo de pacto civilizado não se estendesse a outros lugares.

Meu pai era de Yorkshire, de uma família arruinada neste príncipio de século e, mesmo assim, conseguiu envia-lo para Oxford para estudar Medicina tropical. Minha mãe nasceu em Glasgow, Escócia, e, como meu pai, pertencia a uma família de poucos recursos. Apesar disso ela também pôde ir para Oxford. Ao sair de lá teve vários empregos, entre eles de fiscal fazendária. Mas ela não gostava daquele mundo e o deixou para se tornar secretária. Foi assim que conheceu meu pai, nos primeiros anos de guerra.

Eu era um menino bastante normal, lerdo para aprender a ler e muito interessado em como funcionavam as coisas. Na escola nunca estive entre os primeiros da classe (era uma turma brilhante). Quando eu tinha 12 anos, um amigo apostou com outro um saco de caramelos como eu não seria nada na vida. Não sei se a aposta foi paga ou, caso tenho sido, quem foi o ganhador.

Oxford apático

Meu pai queria que eu estudasse Medicina. Para mim, a Biologia era muito descritiva e não suficientemente fundamental. Eu preferia estudar Matemática e Física. De sua parte, meu pai achava que a Matemática não tinha outra saída que não fosse o ensino, e por isso me fez estudar Química e Física. Além do mais, ele pretendia que eu me matriculasse no mesmo centro que ele, a Universidade de Oxford. Mas lá não se ensinava Matemática naquele tempo. Quando chegou o momento, em 1959, ingressei na dita instituição para estudar Física, o que realmente me interessava.

A maioria dos meus companheiros tinham feito serviço militar e, portanto, eram maiores de idade. Durante o primeiro ano e parte do segundo me sentia sozinho. Até o terceiro ano não me senti a vontade. Na Oxford daquela época , a atitude predominante era a do antitrabalho. Supunha-se que se deveria ser brilhante sem fazer nenhum esforço ou aceitar as próprias limitações e conseguir um título de quarta categoria. Esforçar-se para obter uma qualificação melhor era considerado medíocre, a pior palavra no dicionário oxfordiano.

Naquele tempo os cursos de física de Oxford estavam enfocados de tal forma que era fácil evitar o trabalho. Tive de fazer um exame médico para entrar na Universidade e não voltei a ser examinado outra vez até o final do curso, três anos depois. Segundo meus cálculos, devo ter estudado umas mil horas durante esse período, uma hora por dia em média. Não tenho orgulho de ter trabalhado pouco, simplesmente descrevo minha atitude de então, compartilhada pela maior parte de meus colegas: apatia diante de tudo e sensação de que nada valeria a pena se fosse necessário esforçar-se por alguma coisa.

Crônica de uma morte sonhada

Pouco depois de fazer 21 anos entrei no hospital para fazer alguns exames. Extraíram uma amostra de tecido muscular de meu braço, me colocaram eletrodos e me injetaram um líquido de contraste em minha coluna para observar, por meio de raios x, como ela subia e descia ao se inclinar a cama. O diagnóstico foi esclerose lateral amiotrófica, ou doença dos motoneurônios como era conhecida na Inglaterra

Ao saber que tinha uma doença incurável, que provávelmente me levaria a morte em poucos anos, sofri uma comoção. Como isso podia ter acontecido comigo? Naquela época meus sonhos eram bastante perturbadores. Antes que diagnosticassem minha enfermidade cheguei a ficar aborrecido com a vida. Parecia nada valer a pena. Porém, pouco depois de sair do hospital sonhei que iam me executar. De repente, compreendi que se eu fosse indultado poderia fazer muitas coisas interessantes. Na raiz da minha doença cheguei a uma conclusão: quando temos que enfrentar a possibilidade de uma morte prematura, nos damos conta de quanto vale a pena viver.

O sentido da vida

Parecia não ter sentido continuar com minhas pesquisas, pois não esperava viver o bastante para terminar o doutoramento. Com o passar do tempo, a indolência recuou. Comecei a entender a relatividade geral e a progredir em meus estudos. No entanto, o que me fez progredir foi meu compromisso com uma mulher chamada Jane Wilde. Ela me deu uma razão para viver e me fez entender que tinha de conseguir um trabalho se queríamos nos casar.

Meu pedido para fazer pesquisa em Cambridge foi aceito, embora tenha me decepcionado ao saber que meu orientador não seria Fred Hoyle e sim um desconhecido chamado Dennis Sciama. Tanto um quanto o outro acreditava na teoria do estado estacionário, segundo a qual o Universo não teria princípio nem fim no tempo. No final a mudança de orientador resultou muito gratificante. Hoyle viajava sem cessar ao exterior, e era provável que eu o visse muito pouco. Sciama, ao contrario, estava sempre a mão, e sua presença era estimulante, ainda que freqüentemente não compartilhasse de suas idéias. Assisti ao seminário no qual se anunciou a existência dos pulsares (estrelas que emitem pulsos regulares de rádio, e parecem uma mensagem cifrada, daí a piada que seria mensagem de extraterrestres). A sala estava enfeitada com homenzinhos de papel. Os primeiros quatro pulsares foram batizados de LGM I, II, III e IV. LGM é a sigla em inglês para little green men, pequenos homens verdes.

No princípio foi a singularidade

As observações das galáxias remotas indicam que elas estão se afastando de nós. O Universo está em expansão. Isto quer dizer que os astros tinham de estar mais juntos no passado. E aqui surge uma questão: Houve um tempo em que as galáxias estiveram reunidas todas num só ponto, e que a densidade do Cosmo era infinita? Ou houve uma fase prévia de contração na qual as galáxias evitaram se chocar? Talvez tenham passado uma do lado da outra em grande velocidade e em seguida começado a se distanciar. Para responder a essas perguntas eram necessárias novas técnicas matemáticas. Estas, em sua maior parte, foram desenvolvidas entre 1965 e 1970 por Roger Penrose e por mim mesmo. Nós as utilizamos para demonstrar que se a teoria da relatividade estava certa, deveria haver um estado de densidade infinita no passado. Esse fenômeno é conhecido como a singularidade do Big Bang e constituiria o princípio do Universo. Diante dele todas as leis conhecidas da ciência viriam abaixo. Isso significaria que, se a relatividade geral está correta, nós cientistas não poderíamos deduzir como começou o Cosmo.

Buracos negros e espaguetes

Cair num buraco negro se transformou num dos horrores comuns da ficção científica . Porem, os buracos negros já podem ser considerados realidades científicas. Como é lógico, os escritores de histórias fantásticas somente se interessam se você despencar num deles. Uma idéia muito difundida é que se o buraco negro tem um movimento rotatório, você pode entrar num pequeno vazio de espaço-tempo e sair em outra região do Universo. Obviamente, isso abre enormes possibilidades de viagens pelo Cosmo. Com efeito, necessitamos de algo assim para poder visitar outras estrelas, para não dizer outras galáxias. Do contrário, já que nada pode viajar mais rapido que a luz, um périplo de ida e volta para a estrela mais próxima duraria oito anos. Esqueçamos os fins de semana em AlfaCentauro. Por outro lado, se pudéssemos passar através de um buraco negro, reapareceríamos em qualquer lugar do Universo. Assim, não fica muito claro como conseguiríamos chegar ao nosso destino: seria o mesmo que planejar férias em Virgem e acabar na nebulosa do Caranguejo.

Sinto ter que desiludir o turista galático do futuro, mas as coisas não são assim: se saltasse dentro de um buraco negro, você ficaria em pedaços e seria esmagado até não restar nenhum sinal. Apesar disso, as partículas que foram do seu corpo, seriam transportadas, de certo modo, para outro mundo. Não sei se isso serve de consolo a alguém que é convertido a espaguete no interior de um turbilhão espacial.

O astronauta reciclado

Uma noite depois do nascimento da minha filha Lucy, comecei a pensar nos buracos negros enquanto me preparava para dormir. Devido a minha incapacidade física, essa simples rotina se convertia num processo bastante lento. Por isso dispunha de bastante tempo. De repente, compreendi que a área do horizonte de eventos (a superfície que delimita o buraco negro) sempre aumenta com o tempo. O aumento dessa zona fronteiriça indicava que o buraco negro possui entropia, medida do nível de desordem, logo tem temperatura, então deveria emitir radiação, mas o buraco negro não emite nada.

A relatividade geral é considerada uma teoria clássica. Pressupõe um caminho único definido por cada partícula. Porém segundo a outra grande teoria do século XX - a mecânica quântica -, existe um elemento de probabilidade e incerteza. Durante o tempo que visitei Moscou, em 1973, discuti com Yakov Zeldovich, o pai da bomba de hidrogênio soviética, o efeito da mecânica quântica sobre os buracos negros. Pouco depois fiz meu achado mais surpreendente. Descobri que as partículas se filtrariam através do horizonte de eventos e escapariam do buraco negro. Contei isso primeiro a Sciama e logo me dei conta que o segredo não era mais segredo. Roger Penrose me ligou durante um jantar de aniversário. Estava tão entusiasmado e falou tanto que minha comida esfriou.

Eu ainda não acreditava totalmente. Convenci-me que os buracos negros emitem radiação quando encontrei o mecanismo que podia fazer isso acontecer. Segundo a mecânica quântica, o espaço está cheio de partículas e antipartículas virtuais que de forma constante se materializam em dupla, se separam, logo voltam a se juntar e se aniquilam. Na presença de um buraco negro, pode ser que uma das partículas caia no seu interior e deixando a outra sem companheira para destruir. A partícula abandonada constitui a radiação emitida pelo buraco negro. A mecânica quântica admite que uma partícula escape dessa terrível garganta galáctica, coisa que a teoria da relatividade não permitia.

Einstein nunca aceitou a mecânica quântica devido a seu componente de improbabilidade e incerteza. Ele dizia: "Deus não joga dados". Parece que o gênio alemão estava duplamente equivocado. Os efeitos quânticos dos buracos negros sugerem que Deus não apenas joga dados como as vezes os tira de onde ninguém pode vê-los. Todas essas descobertas nos têm mostrado que o colapso gravitacional não é tão definitivo como pensávamos. Se um astronauta cair numa garganta galáctica será devolvido ao Universo em forma de radiação. Nesse sentido pode-se dizer que o astronauta será reciclado.

Cada vez mais sereno

Até 1974 podia comer, sentar e levantar sem ajuda. Jane foi capaz de cuidar de mim e criar dois filhos sem ajuda de ninguém. Mas as coisas estavam ficando cada vez mais difíceis e decidimos que um dos meus estudantes viria morar conosco.

Tempo real e tempo imaginário

Meu interesse pela origem do Universo se reavivou em 1981, quando assisti a uma conferência sobre cosmologia no Vaticano. Depois, o papa João Paulo II, que ainda estava se recuperando de um atentado contra sua vida, concedeu-nos uma audiência. Ele nos disse que era correto estudar a evolução do Universo depois do Big Bang, porém não devíamos indagar sobre a Grande Explosão em si, pois esse foi o momento da criação, e portanto, obra de Deus. Alegrei-me por ele não saber o tema de minha conferência: a possibilidade de o espaço-tempo ser finito, mas sem fronteira, o que significaria que não tinha havido um começo. Em meu trabalho As condições de fronteira do Universo, eu sugeria que o espaço e o tempo eram finitos em extensão, porém estavam encerrados em si mesmos, sem limites, da mesma forma que a superfície da Terra é finita ainda que não tenha fronteiras. Em nenhuma das minhas viagens consegui cair na borda do mundo.

Na época da conferência do Vaticano não sabia como utilizar essa idéia para fazer previsão sobre o comportamento do Universo. Entre 1982 e 1983 trabalhei com meu amigo e colega Jim Hartle, da Universidade da Califórnia, em Santa Bárbara, e demonstramos como utilizar o conceito da inexistência de fronteiras para calcular o estado do Cosmo em uma teoria quântica da gravidade. Se a proposta da ausência de limites for correta, não haveria nenhuma singularidade e as leis da ciência seriam sempre validas, inclusive a do começo do Universo. Tinha conseguido realizar minha ambição de descobrir como tudo começou. Ainda assim, continuo sem saber por que o fiz.

Para falar de nossas origens, necessitamos de leis que possam ser válidas em qualquer estado. No tempo real só existem duas possibilidades: que este se prolongue para trás, no passado, para sempre, ou que tenha um princípio. Pode-se então imaginar uma linha que vá do Big Bang ao Big Crunch (o colapso final do universo). Mas também pode-se considerar outro sentido do tempo, em ângulo reto ao tempo real. É a chamada direção imaginária. Não há por que haver uma singularidade que constitua um começo ou fim para o Universo. O espaço não seria criado nem destruído. Talvez o tempo imaginário seja o autêntico tempo real e o que chamamos tempo real seja um produto de nossa imaginação.

Um lugar para Deus

A maioria das pessoas acredita que Deus permite a evolução do Universo de acordo com um conjunto de leis, sem precisar intervir nele. Mas continuaria sendo assunto divino dar corda ao relógio e escolher o momento de faze-lo funcionar. Se o Universo teve um começo. pode-se dizer que teve um criador. Porém, se o Cosmo, com efeito, se contém em si mesmo, há lugar para um sumo Criador? Em certa ocasião, Einstein perguntou: "Que grau de deliberação teve Deus na gênese do Universo?". Se a proposta da ausência de limites estiver correta, ele não teve nenhuma liberdade para escolher as condições iniciais. Só pôde escolher as leis que regeriam sua obra magistral.

De fato, é possível que não tenha havido tal determinação. Na realidade, pode ser que exista somente uma teoria unificada que permita a existência de estruturas tão complicadas como os seres humanos, indivíduos capazes de investigar as leis do Universo e questionar sobre a natureza

Nenhum comentário: